domingo, 1 de maio de 2011

PERÚ DIANTE DA MEDALHA DO PADRE MARCELO

A velhinha era religosa demais. Tanto prova, economizou dos primeiros aos últimos tostões para ir até Aparecida e ver o Padre Marcelo. A viagem de excursão, onde um garoto travesso escreveu a grafite na traseira do ônibus: "Viagem via direto ao Dr.Ivo Pitanguy", foi maravilhosa, enquanto uma fazia crochê, outra tecia tricô, duas dúzias cochilavam, meia dúzia contava as travessuras de seus netos.
Chegou o grandioso dia. O Padre Marcelo com todo o seu carisma abençoou várias medalhas, onde todos orgulhosos penduraram no pescoço, como honra ao mérito, não de si mesma, mas da santa entalhada no coração de lata, preso a um cordão bijótico.
D.Fausta, esqueci-me de dizer-lhe seu nome, voltou para o seu sítio, feliz da vida. Ela tinha o costume de todo santo dia alimentar suas aves. Foi onde aconteceu o inesperado. Um perú abriu o bicão e pluft! engoliu sua medalha com o cordão. E agora?
Reuniu toda a família para discutir o acontecimento fatídico do perú engolidor da medalha do Padre Marcelo. "Só tem um jeito", bradou seu esposo, "será nós matarmos o perú para tirarmos a medalha sagrada de dentro dele!"
"Eu, embora mais novo, mas sexy-sagenário, também concordo!", bradou seu irmão caçula, pelo acaso da temporalidade.
Imolaram a ave e conseguiram resgatar a medalha abençoada. Mas a discussão não parou por aí: "E agora, vamos comê-la?" "Não, este perú não pode ser mais comido! Pois ele engoliu uma medalha abençoada!" "Então, qual o destino do perú?" "Enterrá-lo, como um santo?" "Mas onde vamos enterrar o perú?" "Na parte mais nobre do nosso lugar, faremos o enterro do perú santo!"
Negócio fechado, perú enterrado!
Um certo dia, uma senhora hipocondríaca, havendo adquirido mentalmente a doença do gogó da tremedeira, muito comum em galinhas, passando perto da cova do perú, caiu em lágrimas e viu-se curada instantaneamente.
Correu pelo sítio aos berros: "Sarei, sarei, só de ficar em cima onde o perú estava enterrado!"
Deu romaria, padre e procissão. Gente buscando todo o tipo de cura! Um fanático fez um imenso discurso, num domingo de ramos em homenagem à ave. Terminou sua fala da seguinte maneira: "meu povo, nós vamos ter de desenterrar o perú, botar ele pra fora, para primeiro podermos beatificá-lo! Só depois de beatificado, podemos chamar nosso perú de santo!"
Aqui, eu faço uma pausa. O maior problema sobre a verdade, é quando acredita-se encontrá-la. Quando alguém pensa tê-la encontrado, ela se cristliza e torna-se sua verdade, perdendo a universalidade. Este é o problema fundamental da religião. Uma coisa é religião dogmática, proselítica e outra coisa é a espiritualidade. Lembra-se lá no Deserto do Sinai, quando Moisés descia do Monte Horeb com as tábuas da Lei na mão e alguns peregrinos haviam feito uma estátua do Boi Ápis para adorar? Pois estes idólatras adoradores haviam encontrado a verdade e fizeram-na para si próprio. Mas a verdade estava com Moisés, pois ele estava à procura da verdade! Aqueles adoradores eram psicóticos, materialistas, um nível próximo e fronteiriço à loucura.
O mal da religião dogmática é este: chega a um nível de confundir os vivos e incomodar os mortos!
Quando Jesus estava diante de Pilatos, este perguntou-lhe: "O que é a verdade?" Mas não deu tempo de Jesus respondê-la. Pilatos era um homem sem tempo. Estava mergulhado no tempo dos homens comuns. Cristo era um homem fora do seu tempo, extra-temporal. Saiu e condenou-o, enquanto lavava as suas mãos. Pilatos era um esquizofrênico. Sua verdade estava cristalizada com o rótulo romano. Lavou as mãos politicamente.
Quando o grande filósofo Nietzsche proclamou estar Deus morto, ninguém entendeu até hoje sua fala.
Nietzsche referia-se a este deus criado pela imaginação humana. Este sim, está morto! Mas a verdadeira divindade continua viva, independente de quaisquer coisas a mais ou a menos.
A verdadeira divindade, o EU SOU, está. É.

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